Introdução
O câncer de vias urinárias (pelve renal e/ou ureter) ou do trato urinário superior (TUS) apresenta uma baixa incidência, correspondendo a 5% dos tumores uroteliais. Origina-se do urotélio que recobre todo o trato urinário superior, desenvolvendo-se como carcinoma urotelial (raramente carcinoma epidermóide [0,7-7%] ou adenocarcinoma). A idade média dos pacientes envolvidos é de 65 anos e predomina em homens, na proporção de 3:1 em relação às mulheres. Podem ocorrer de forma multicêntrica, sincrônica ou metacrônica, uma vez que trata-se de uma doença pan-urotelial, com risco de recidiva persistente.
Sua localização ureteral é mais infreqüente (1% dos tumores uroteliais), sendo 60-70% localizado no ureter distal. Os tumores piélicos (da pelve renal) representam entre 4 e 10% das neoplasias que atingem os rins e 5% dos tumores uroteliais. De 35 a 75% dos pacientes com tumores do TUS apresentam também tumores de bexiga em algum momento de sua evolução. Acometem 2-4% dos pacientes com carcinoma urotelial de bexiga e são bilaterais em 2% dos casos.
Os fatores de risco para o câncer de vias urinárias são os mesmos para os tumores de bexiga, principalmente a exposição ao tabaco e a agentes ocupacionais (alguns produtos químicos), sendo a infecção urinária crônica, a presença de litíase urinária crônica ou a infecção por Schistosoma haematobium, fatores predisponentes para o carcinoma do tipo escamoso.
O câncer de vias urinárias apresenta-se em 80% dos casos como lesões papilares, sendo infiltrantes em 50% dos casos. O nível de infiltração é influenciado pelo fato da camada muscular do TUS ser menos espessa que a da bexiga e pelo rim atuar como barreira defensiva à expansão tumoral nos tumores de cálices e pelve renal. Cerca de 1-4% dos pacientes com carcinoma da pelve renal apresentam tumor na pelve contra-lateral. Ademais, estas neoplasias disseminam-se por contiguidade, invadindo parênquima renal e gordura peri-piélica, por via linfática, envolvendo os linfonodos regionais, ou por via hematogênica, atingindo ossos (40%), fígado (36%), cérebro (8%) e pulmão (4%). Os tumores de ureter são três vezes menos freqüentes que os tumores da pelve renal. A menor incidência das neoplasias de ureter em relação as de bexiga deve-se possivelmente ao rápido trânsito da urina pelo ureter, com menor tempo de contacto entre os agentes carcinogenéticos e o epitélio local.
Clínica
A hematúria macroscópica (sangramento na urina visível) é a forma de apresentação inicial de 75% dos casos de câncer de vias urinárias, com dor lombar presente em 30% (cólica em obstrução aguda por coágulos ou insidiosa por infiltração local), sendo assintomáticos em 10-25% dos casos.
O diagnóstico em 70-80% dos casos é feito pela ultrassonografia ou urografia por tomografia computadorizada (falha de enchimento em 50-75%), sendo este último o exame gold standard. A ureteropielografia retrógrada ou Chevassu (com ou sem lavado citológico) é indicada em casos duvidosos, bem como a ureteropieloscopia com biópsia. A citologia mostra-se negativa em 80% dos tumores de baixo grau, sendo mais acurado o lavado ou o escovado.
Constituem fatores de risco para progressão e óbito pelo câncer de vias urinárias o estágio da doença, o grau histológico da lesão, o tipo histológico do tumor (epidermóide apresenta pior evolução que o carcinoma urotelial) e a presença de neoplasia vesical concomitante (sobrevida 50% menor) ou de carcinoma “in situ” local (dobra as chances de recorrência).
Para os tumores piélicos, a sobrevida em 5 anos é de 65-82% para os tumores localizados, de 25% para os tumores localmente avançados e de 5% para os tumores metástaticos. Para os tumores ureterais, a sobrevida de 5 anos é de 50-100% nos tumores localizados e de 13-33% nos tumores metastáticos.
O estadiamento do câncer de vias urinárias conclui-se com realização de tomografia computadorizada (em casos de exclusão renal, tumores > 2cm ou com aspecto infiltrativo em outros exames), cistoscopia e exames laboratoriais. A ressonância nuclear magnética (uroressonância) está indicada em casos de dúvidas. A cintilografia óssea deve ser indicada em casos de dor óssea ou alterações laboratoriais.
Estadiamento TNM (2004) – Classificação Clínica | ||
T | TX | O tumor primário não pode ser avaliado |
T0 | Não há evidência de tumor primário | |
Tis | Carcinoma in situ | |
Ta | Carcinoma papilífero não invasivo | |
T1 | Tumor que invade o tecido conjuntivo sub-epitelial | |
T2 | Tumor que invade a muscular | |
T3 | Pelve renal: Tumor que invade além da muscular, e alcança a gordura peri-piélica ou o parênquima renal. Ureter: Tumor que invade além da muscular, e alcança a gordura peri-ureteral | |
T4 | Tumor que invade os órgãos adjacentes ou, através do rim, a gordura peri-renal | |
N | NX | Os linfonodos regionais não podem ser avaliados |
N0 | Ausência de metástase em linfonodos regionais | |
N1 | Metástase, em um único linfonodo, com 2 cm ou menos em sua maior dimensão | |
N2 | Metástase, em um único linfonodo, com mais de 2 cm até 5 cm em sua maior dimensão, ou em múltiplos linfonodos, nenhum com mais de 5 cm em sua maior dimensão | |
N3 | Metástase em linfonodo com mais de 5 cm em sua maior dimensão | |
M | MX | A presença de metástase à distância não pode ser avaliada |
M0 | Ausência de metástase à distância | |
M1 | Metástase à distância |
A classificação é aplicável aos carcinomas. O papiloma é excluído. Deve haver confirmação histológica ou citológica da doença.
Categorias T (exame físico, diagnóstico por imagem e endoscopia), N (exame físico e diagnóstico por imagem) e M (exame físico e diagnóstico por imagem).
Na Classificação Patológica (pTNM), as categorias pT, pN e pM correspondem às categorias T, N e M.
Os linfonodos regionais são os hilares, os para-aórticos abdominais e os paracavais; e, para o ureter, os intrapélvicos. A lateralidade não afeta a classificação N.
Grupamento por Estádios | |
Estádio | TNM |
0a | Ta N0 M0 |
0is | Tis N0 M0 |
I | T1 N0 M0 |
II | T2 N0 M0 |
III | T3 N0 M0 |
IV | T4 N0 M0Qualquer T N1-3 M0Qualquer T Qualquer N M1 |
G – Graduação Histopatológica | |
GX | O grau de diferenciação não pode ser avaliado |
G1 | Bem diferenciado |
G2 | Moderadamente diferenciado |
G3-4 | Pouco diferenciado/indiferenciado |
Tratamento
O tratamento do câncer de vias urinárias é eminentemente cirúrgico. Em casos de lesões pequenas e pouco agressivas, em pacientes com rim único ou comprometimente de função renal, tratamentos endoscópicos minimamente invasivos (por via ureteroscópica ou percutânea) ou ressecções localizadas estão indicados. Em casos de lesões invasivas, volumosas ou agressivas, o tratamento de escolha é a nefroureterectomia radical (por via aberta ou videolaparoscópica), que pode ser associada a linfadenectomia regional, em casos de risco ou suspeita de comprometimento linfonodal.
Em casos de comprometimento ganglionar ou doença avançada (como, por exemplo, com metástases), a indicação de quimioterapia sistêmica geralmente se faz necessária.
Seguimento
Fontes:
Campbell-Walsh Urology, 10th edition (2011)
Comprehensive Textbook of Genitourinary Oncology, 4th edition (2011)
National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines®) – Bladder Cancer – Version 2.2014
European Association of Urology (EAU) Guidelines on Urothelial Carcinomas of the Upper Urinary Tract (2014)